"Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados,
Com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor,
Procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.
Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação;
Um só Senhor, uma só fé, um só batismo;
Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós."
Efésios 4:1-6

Atentado de Nova Iorque em face da Bíblia

Tenho lido muitos comentários publicados em páginas evangélicas na internet que relacionam os últimos acontecimentos em Nova Iorque com as profecias bíblicas.
Na verdade, há muitas referências a torres nos textos bíblicos, mas a maior parte dessas passagens são passagens históricas, simplesmente descritivas e não nos parece que sejam profecias. Mas não podemos deixar de notar uma constante em todas essas referências, desde a Torre de Babel em Génesis 11:1/9, a Torre de Penuel em Juizes 8:1/17, Juizes9:51/52, Sofonias 3:1/7, a Torre de Siloé em Lucas 13:1/5 e em muitas outras passagens, as torres são quase sempre um símbolo do domínio, da arrogância dum povo, da sua superioridade e estão quase sempre relacionadas com guerra, morte e destruição. Alguns relacionam este acontecimento com Apocalipse 18.
Eu nunca tive muita vocação para as profecias, pois é terreno difícil demais para mim. É preciso ter muita cautela nas interpretações que damos, para não nos entusiasmarmos demasiado e também é necessária suficiente humildade para confessar a nossa ignorância e as nossas dúvidas. Mas também não podemos ir para o campo oposto, ignorando as profecias.
Realmente, muito do que se passou, “encaixa” de certa maneira nesta passagem bíblica. O escandaloso luxo dos ricos cada vez mais ricos que simplesmente ignoram os milhões de pessoas que passam fome no mundo inteiro e muitos que morrem à fome. As duas torres que foram destruídas, eram o símbolo máximo do capitalismo arrogante e indiferente aos problemas da humanidade. Essa, não sei se ignorância, se indiferença ao que se passa para lá das fronteiras do mundo ocidental, nomeadamente dos USA, tem levado a declarações não muito verdadeiras de alguns pastores evangélicos de influência americana. Alguns afirmam que nunca se viu um caso destes, quando em África se têm registado números de mortos infelizmente muito mais elevados, outros referem-se ao maior genocídio da história moderna (não sei quais os limites da história moderna), mas muito pior fizeram os americanos em Hiroshima e Nagasaqui. Penso que a grande publicidade que as televisões de todo o mundo dão a este acontecimento tem uma explicação: É porque desta vez a desgraça não aconteceu em algum país no interior de África ou em alguma região pobre do interior do Brasil, mas em Nova Iorque, e desta vez não foram pobres desgraçados que morreram mas sim, altos executivos e importantes homens de negócio.
Algumas notícias que nos chegam pela televisão, lembram-nos o versículo 3 deste capítulo “porque ela embriagou as nações com o vinho do furor da sua prostituição; com ela se prostituíram os reis da terra, e os mercadores da terra se enriqueceram graças ao seu luxo desenfreado” Quando vemos até países islâmicos colaborarem no ataque a um país independente aliciados pela promessa de ajuda económica, entrar em guerra por causa da promessa de ajuda económica, não é isso a corrupção dos países?!! E quanto não receberam os seus governantes?!!
Dos grandes impérios do passado, que tiveram as suas colónias pelo mundo inteiro, com o tempo todos foram passando à história e Portugal também foi colónia romana e mais tarde teve as suas colónias. Nos nossos dias assistimos à desagregação da Rússia como grande potência mundial, mas mal de nós, que se acabou o tal equilíbrio de forças e a partir dessa altura a América se tornou a única super-potência a impor o seu cada vez mais arrogante colonialismo económico e cultural em todo o mundo. Assim, o mundo rico está cada vez mais rico e os pobres são cada vez mais pobres e em maior número. Nesse aspecto, vejo grandes semelhanças com essa passagem do Apocalipse. Até nas nossas igrejas ditas evangélicas se nota o tal colonialismo cultural, com a influência cada vez maior duma lógica de direita na interpretação dos textos bíblicos bem como da influência da língua inglesa e o desrespeito pelas outras culturas.
Mas a “Grande Babilónia” dos nossos dias ainda não caiu e estou um tanto pessimista quanto ao futuro. Penso que estamos perante o início duma reacção a nível mundial contra a “Grande Babilónia”, que não é propriamente um país, mas o conjunto dos países mais ricos deste mundo, os donos das “Nações Unidas” onde não há igualdade entre os países pois uns têm direito a veto e outros não. Penso que será uma guerra para durar. Agora foram os aviões, amanhã poderá ser a guerra química ou a guerra biológica que não conhece fronteiras... Mesmo que encontrem e se vinguem nos responsáveis por este atentado de Nova Iorque, outros se irão levantar, enquanto o problema que lhes deu origem, a má distribuição da riqueza a nível mundial, não for resolvido, pois o terrorismo é sempre fruto da miséria e do desespero que serão maiores com a intervenção americana que se prepara. É impossível algum país ou grupo de países controlar o mundo inteiro, pois nem o território dos Estados Unidos inteiro conseguirão controlar.
As notícias da TV mostram uma certa unanimidade dos governantes de todo o mundo em condenar este atentado. Não digo que não seja verdade, mas digo que uma coisa é condenar o atentado, outra bem diferente é apoiar a reacção americana de atacar países independentes por sua iniciativa, e o que vemos nos canais de TV é somente a posição oficial dos governantes e não a posição dos milhões de pobres e explorados de todo o mundo, inclusive na Europa. Um pouco por todo o mundo se vão levantando mais críticas à intervenção americana que se prepara para atacar o Afeganistão e tenho sérias dúvidas sobre o seu resultado. Segundo sondagens à opinião pública, em Portugal, 48.8% dos portugueses apoiam esta guerra, 40% são contra, o resto não tem opinião e entre os partidos políticos também não há unanimidade. Penso que um pouco por toda a Comunidade Europeia a opinião popular não deve ser muito diferente, mas bem diferente será a opinião pública no Paquistão, pelo que após a identificação deste país com os USA, só vejo duas possibilidades para o futuro do Paquistão, ou tornar-se numa ditadura militar ao serviço dos americanos ou tornar-se mais um país islâmico fundamentalista e neste caso, trata-se duma potência atómica.
Penso que têm certa razão, os que identificam o capítulo 18 de Apocalipse com os recentes acontecimentos, pelo menos, temos demasiadas semelhanças para poder deixar de relacionar as duas coisas e julgo que este é um dos primeiros acontecimentos da época da história que se aproxima. Não nos compete julgar ninguém e como crentes não podemos apoiar a violência, mas temos de estar atentos aos sinais do que se passa nos nossos dias.
Os países islâmicos fundamentalistas, se é que alguns deles tiveram certa responsabilidade nestes ataques, são países onde não há liberdade de expressão, e muito menos liberdade de religião e exercem forte discriminação da mulher. Não nos podemos identificar com eles.
Mas não podemos esquecer que a América, que pretende chefiar os países “livres” é o primeiro país a empregar a bomba atómica em Hiroshima e Nagasaqui, e nos nossos dias não respeita o protocolo de Kioto sobre o aquecimento global do planeta, aceite por todo o mundo, somente para não prejudicar a rentabilidade das suas indústrias, já iniciou o desenvolvimento de armas biológicas que todo o mundo civilizado decidiu proibir e ainda recentemente a representação americana no Congresso sobre o racismo na África do Sul abandonou os trabalhos. Poderíamos ainda citar a pena de morte, rejeitada pelo mundo civilizado, que ainda se mantêm nesse país “livre” tal como nos países islâmicos fundamentalistas. Não nos podemos identificar com este país que representa o maior perigo dos nossos dias.
Mas então o que fazer? Como crentes evangélicos não podemos ficar indiferentes ao que se passa à nossa volta, mas há que manter o bom senso de não nos envolvermos nesta espiral de violência e ódio que parece assolar todos os países e religiões.
Muitos falam no cobarde ataque ao WTC... mas será credível um piloto suicida ser acusado de cobardia? Outros falam no ataque dos descrentes... mas será que são descrentes, ou isso é termo que designa todos que têm uma fé diferente? Também para os islâmicos, os infiéis são os cristãos.
Parece que é de fazer um apelo a todos os verdadeiros crentes, cristãos, islâmicos ou judeus, para que tenham o bom senso de não se deixarem levar pelos fundamentalismos exaltados e irracionais dos profissionais das religiões que só conduzem à destruição.
Todas as religiões dos nossos dias falam em paz e em amor, mas incitam à violência e à guerra. Será que se fosse possível “ateizar” o mundo todo, daríamos a maior contribuição para a paz mundial, pois os problemas da Irlanda do Norte, da Palestina, dos americanos e fundamentalistas islâmicos, e da fronteira entre a Índia e Paquistão, deixariam de ter sentido? Ou será que a mensagem de Cristo e o seu incentivo ao amor pelos inimigos é só para os cultos de domingo de manhã, mas já perderam o seu significado para aos que se dizem cristãos?
Penso que, o que podemos fazer é falar, e a internet pode dar uma boa contribuição como meio de comunicação. Parece pouco, mas não é assim tão pouco como parece e alguns irmãos já fizeram muito, levantando o problema com coragem, remando contra a opinião geral, raciocinando sem a tutela dos seus dirigentes espirituais.
Com todas as suas falhas a América ainda é uma democracia, embora a caminho da dinheirocracia, e o povo americano necessita de ouvir outras vozes e outras opiniões que venham de fora das suas fronteiras, pois afinal ainda são eles que com todas as falhas da sua organização elegem os seus representantes e podem mudar a atitude do seu país, pois o problema de fundo não foi só o recente ataque a Nova Iorque. Concordo com a afirmação do Papa de que este problema não pode ser resolvido pela força das armas. Se o problema de fundo, a má distribuição da riqueza a nível mundial não for resolvido, outros ataques cada vez mais violentos certamente se seguirão.
Mas ainda é tempo... Temos pouco tempo, mas ainda é tempo de falar.

Camilo - Marinha Grande, Outubro de 2001