"Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados,
Com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor,
Procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.
Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação;
Um só Senhor, uma só fé, um só batismo;
Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós."
Efésios 4:1-6

Apóstolos nos nossos dias?

Recebi a tua mensagem, caro irmão Maicy em que me colocas a questão da ordenação de Apóstolos nos nossos dias, como está a acontecer no Brasil. Haverá ainda apóstolos nos nossos dias? Será correcta a ordenação de apóstolos nos nossos dias?

Esse assunto dos nomes dos vários cargos na Igreja, sempre foi um tema um tanto polémico.
Vejamos em primeiro lugar as passagens que nos podem suscitar dívidas:
Hebreus 3:1 refere-se a Jesus como apóstolo.
Efésios 4:11 “... deu uns para apóstolos, e outros para profetas...”
I Coríntios 12:28 “...E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas...”
Romanos 16:7 “Saudai a Andrónico e a Júnia.... os quais se distinguiram entre os apóstolos...”
Actos 14:4 “...uns eram pelos judeus e outros pelos apóstolos.”

Etimologia da palavra “apóstolo”

A palavra “apóstolo” só aparece no grego neotestamentário e não no Antigo Testamento. Mas esta palavra, que foi transliterada para a nossa língua, já existia antes dos textos do Novo Testamento serem escritos, pelo que temos de distinguir entre o seu significado etimológico ou original e o significado que adquiriu através dos tempos devido a ter-se tornado um termo da teologia, uma “palavra de igreja” com toda a sua carga teológica, tal como a entendemos nos nossos dias.
Segundo o dicionário etimológico de José Pedro Machado, a palavra “apóstolo” vem do grego “apóstolos” que significava enviado para longe; enviado; deputado; envio de expedição, particularmente expedição naval.
É esse significado original, que encontramos em Hebreus 3:1 referindo-se a Jesus que foi enviado pelo Pai, sendo portanto apóstolo = enviado.
O mesmo significado original de enviado encontramos em Romanos 16:7 referindo-se a Andrónico e Júnia, assim como em Actos 14:4 que se refere aos apóstolos que estavam presentes, e nesta altura só lá estavam Paulo e Barnabé. Portanto, Barnabé também foi considerado como apóstolo.
Quanto às outras duas passagens, atendendo a que em Efésios 4:11 o verbo “deu” está no passado, assim como em I Coríntios 12:28 “pôs” também está no passado, penso que se referem aos apóstolos iniciais que acompanharam a Jesus. Mas também é possível interpretar nestas passagens, de acordo com o significado etimológico.

Semântica da palavra “apóstolo”

Penso que bem cedo a palavra apóstolo adquiriu um significado teológico no primitivo cristianismo, a ponto de alguns negarem esse termo ao apóstolo Paulo, apesar das suas viagens missionárias. Todos conhecemos essas passagens, pelo que não as vou mencionar.
Assim, apóstolos passaram a ser somente os doze que Jesus escolheu para o acompanharem no seu ministério. Eles seriam as testemunhas oculares de todos os acontecimentos da sua vida e da sua ressurreição.
Vemos em Actos 1:15/26 que os apóstolos estavam preocupados em manter o seu número de doze apóstolos, possivelmente por influência das tribos de Israel que eram doze. Mas, será que estamos perante uma passagem normativa, ou perante uma passagem histórica, que simplesmente descreve o que aconteceu? E, será que esta preocupação era correcta?!! 
Nos versículos 21 e 22, temos uma descrição do que a palavra “apóstolo” significava para os doze. Actos 1:21/22 “É necessário, pois, que, dos varões que conviveram connosco, todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu entre nós, começando desde o batismo de João, até ao dia em que de entre nós foi recebido em cima, um deles se faça connoscotestemunha da sua ressurreição.”
Pelo que vemos em Actos 16:4, os apóstolos, ligados à Igreja Mãe de Jerusalém, tinham autoridade para tomar decisões válidas em todas as igrejas, pois estas aceitavam a autoridade da Igreja Mãe de Jerusalém, onde eles estavam.

Será correcto ordenar apóstolos nos nossos dias?

Não está em dúvida a liberdade que cada igreja tem de utilizar os termos que entender para designar os seus dirigentes, embora o significado dessas palavras só tenha sentido para quem aceitar a teologia dessa igreja, mas o problema que me foi colocado é a minha opinião sobre a ordenação de apóstolos nos nossos dias.
Esta palavra “apóstolo” já há dois milénios que está relacionada com os doze homens que seguiram a Cristo durante o seu ministério. Embora não seja esse o seu significado etimológico, não podemos ignorar a época em que vivemos em que o significado da palavra apóstolo está limitado aos doze iniciais. É esse o significado na nossa língua, os doze homens que conviveram com Jesus.
Penso que um problema semelhante se pode colocar com a palavra “pastor” ou “missionário”. Nas igrejas mais sérias, como as do protestantismo histórico, não é possível imaginar um pastor que não tenha pelo menos o bacharelato em teologia, enquanto noutras, qualquer um pode ser pastor. E que diremos da palavra “missionário” que antigamente era sempre pessoa altamente habilitada não só no campo da teologia como em algum curso superior. Os primeiros missionários que entraram em Portugal ou no Brasil, além de terem um curso de teologia, ou eram médicos como o caso de Robert Kalley, ou engenheiros agrónomos etc. Tinham sempre, profissões que os tornavam muito úteis no seu campo missionário, o que tornava o Evangelho respeitado, prestigiado e desejado entre os não crentes. Também no livro de Actos, vemos que Paulo era fabricante de tendas Actos 18:3 e o seu companheiro Lucas era médico. Colossenses 4:14. Eram dois homens válidos e preparados para sobreviver em qualquer local pelo seu trabalho, sem estarem dependentes das contribuições dos crentes.
No passado, muitos verdadeiros missionários vieram do Brasil para trabalhar em Portugal, assim como alguns outros foram de Portugal para o Brasil. Mas, nos últimos anos têm vindo do Brasil muitos jovens “missionários” que nem sequer têm a nossa escolaridade mínima, o nono ano de escolaridade. Julgo que esses mesmos jovenspoderiam e deveriam ser melhor aproveitados e apoiados se lhes dessem uma melhor preparação teológica e profissional e se houvesse uma melhor organização das nossas igrejas. 
Não é possível as nossas autoridades portuguesas ou brasileiras impedir que utilizem os termos de pastor ou missionário sem estarem devidamente habilitados, como fazem quando alguém que se apresenta como médico ou engenheiro etc. sem a necessária preparação, pois isso seria uma indesejável interferência nas igrejas. Mas julgo que compete às próprias igrejas reagir contra esta indevida utilização destas palavras que tem trazido o descrédito das igrejas evangélicas. 

Qual o motivo que leva certas igrejas a ordenar apóstolos nos nossos dias?

Em primeiro lugar, esta pergunta deverá ser respondida pelas igrejas que utilizam tal termo, mas na época em que vivemos, penso que o principal motivo será a falta de aceitação que têm as palavras “Pastor” ou “Missionário” em ambiente secular.
Eu não vou dizer nenhuma novidade que os crentes mais experientes não saibam, mas muitas vezes os nossos jovens tornam-se “missionários”, simplesmente como alternativa ao desemprego no Brasil. Até há organizações americanas, bem conhecidas em todo o Brasil, que oferecem um “curso de teologia” em que para ser admitido basta saber ler e escrever e ao fim de cinco meses de estudo, são considerados como “missionários” e espalhados por todo o mundo. Isso tem levado ao descrédito não só desses “missionários” como infelizmente até dos verdadeiros missionários dos nossos dias.
Lembro-me dum verdadeiro Pastor indiano, na Índia, me dizer que prega o Evangelho, mas não quer ser tratado por pastor ou missionário e prefere que o considerem como um sadú evangélico. Como sabem, o sadú é o homem santo do hinduísmo que por todos é respeitado devido à sua tradicional santidade e honestidade.
Mas, poderão perguntar-me: Se o objectivo é somente pregar o evangelho, que impede que alguém pregue o Evangelho, mesmo sem o título de pastor? Haverá algum outro motivo que justifique essa preocupação de utilizar estes títulos de pastor ou missionário e agora até apóstolo? 
Penso que sim, que é o aspecto económico. Como protestantes, aceitamos a ideia do sacerdócio universal do crente. Assim, todos podem e devem pregar, mas o problema é que geralmente só os pastores ou missionários é que vivem do evangelho e geralmente reivindicam o dízimo para seu sustento. Esses títulos de pastor ou missionário ou apóstolosão importantes para de certa forma “legalizar” a cobrança do dízimo.   
Tenho encontrado em África e na Índia, bons profissionais das mais diversas actividades que contribuem e trabalham activamente nas igrejas e bem mereciam o título de Pastor ou Missionário, embora esses verdadeiros servos do Senhor, nunca se tenham preocupado com esses termos tão apetecíveis para os que não têm uma profissão com que possam sobreviver em ambiente secular. Também no Brasil e em Portugal, conheço os mais diversos profissionais, desde técnicos a trabalhadores sem especialização, que depois de muitas e cansativas horas de trabalho, sacrificam as suas bem merecidas horas de descanso, que deveriam dedicar às suas famílias, em benefício do trabalho da Igreja além da sua contribuição económica. Não serão esses mais dignos de louvor do que os seus Pastores que muitas vezes levam uma vida de rotina, limitando-se a assegurar a continuidade dos cultos sem grandes preocupações com o crescimento das igrejas?

Será que todos estes problemas serão ultrapassados se utilizarem o título de Apóstolo em vez de pastor ou missionário?

Enquanto os apóstolos viviam, o seu trabalho foi abençoado pelo Senhor.
Mas, eles não foram prestigiados por terem o título de Apóstolo. Bem pelo contrário, foi o seu comportamento e a sua fidelidade, muitas vezes até à morte, que prestigiou a palavra Apóstolo. Não se trata dum título apetecível pelos direitos e privilégios que concede, mas dum dom que o Senhor concedeu para benefício da sua Igreja. Basta abrir as nossas Bíblias para ver como viveram e como morreram os verdadeiros Apóstolos.
O importante, para a nossa época, não é utilizar abusivamente o título de Apóstolo, muitas vezes para definir uma certa hierarquia ou justificar um salário mais elevado que o dos seus colegas, mas o importante é seguir os passos dos apóstolos, e ter a fé apostólica e a consagração dos verdadeiros Apóstolos.
Tenho receio de que os pastores que utilizam o título de apóstolo queiram somente apropriar-se do prestígio dos verdadeiros Apóstolos para seu proveito pessoal. Mas, estarão eles preparados para ter a mesma consagração apostólica e a enfrentar as provações apostólicas que resultaram na morte de quase todos os verdadeiros Apóstolos?!!

Camilo  -   Julho de 2004 
fonte de pesquisa
www.estudos-biblicos.com